Poema de mulherzinha

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Agora você está vendo, agora,
algo lindo, ou não, que vejo
também.
Estamos no mundo ao mesmo
tempo,
e isso, só isso, já me impede de
esquecê-lo
por um instante sequer.
Você respira, tosse, respira, dorme,
espirra e eu não posso deixar de
sentir.
Ora!, foge ao meu controle.
Esteja você numa ponta do
planeta e eu em noutra.
A Terra é somente uma estrela,
nós o infinito de todo um cosmo.
Não posso fazer nada, não há solução.
Então choro,
oro,
te esporro de mil xingamentos,
Desculpa, amor, é que eu te amo.
te amo,
te amo
e quase não sou mulher o suficiente
para tanto Isso.
Young, Fernanda

Clarice Lispector

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“…uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteiro, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, espararei quanto tempo for preciso.”

Ana Jácomo

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“E se não quisermos, não pudermos, não soubermos, com palavras, nos dizer um pouco um para o outro, senta ao meu lado assim mesmo. Deixa os nossos olhos se encontrarem vez ou outra até nascer aquele sorriso bom que acontece quando a vida da gente se sente olhada com amor. Senta apenas ao meu lado e deixa o meu silêncio conversar com o seu. Às vezes, a gente nem precisa mesmo de palavras.”

Quase

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“Eu quase consegui abraçar alguém semana passada. Por um milésimo de segundo eu fechei os olhos e senti meu peito esvaziado de você. Foi realmente quase. Acho que estou andando pra frente. Ontem ri tanto no jantar, tanto que quase fui feliz de novo. Ouvi uma história muito engraçada sobre uma diretora de criação maluca que fez os funcionários irem trabalhar de pijama. Mas aí lembrei, no meio da minha gargalhada, como eu queria contar essa história para você. E fiquei triste de novo.”

Tati Bernardi

Amor Epidérmico

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Seus pais foram jantar fora e deixaram o apartamento só para você, seu namorado e a tevê a cabo. Que inconseqüentes! Em menos de um minuto vocês deixam a televisão falando sozinha e vão ensaiar umas cenas de amor no quartinho dos fundos. De repente, escutam o barulho da fechadura. Seu pai esqueceu o talão de cheques. Passos no corredor. Antes que você localize sua camiseta, sua mãe se materializa na porta. Parece que ela está brincando de estátua, mas não resta dúvida que entrou em estado de choque. Você diz o quê? Mãe, a carne é fraca.

A desculpa é esfarrapada mas é legítima. Nada é mais vulnerável que nosso desejo. Na luta entre o cérebro e a pele, nunca dá empate. A pele sempre ganha de W.O.

Você planeja terminar um relacionamento. Chegou à conclusão que não quer mais ter a seu lado uma pessoa distante, que não leva nada à sério, que vive contando piadinhas preconceituosas e que não parece estar muito apaixonado. Por que levar a história adiante? Melhor terminar tudo hoje mesmo. Marca um encontro. Ele chega no horário, você também. Começam a conversar. Você engata o assunto. Para sua surpresa, ele ficou triste. Não quer se separar de você. E para provar, segura seu rosto com as duas mãos e tasca-lhe um beijo. Danou-se.

Onde foram parar as teorias, os diálogos que você planejou, a decisão que parecia irrevogável? Tomaram Doril. Você agora está sob os efeitos do cheiro dele, está rendida ao gosto dele, está ligada a ele pela derme e epiderme. A gravação do seu celular informa: seus neurônios estão fora da área de cobertura ou desligados.

Isso nunca aconteceu com você? Reluto entre dar-lhe os parabéns ou os pêsames. Por um lado, é ótimo ter controle absoluto de todas as suas ações e reações, ter força suficiente para resistir ao próprio desejo. Por outro lado, como é bom dar folga ao nosso raciocínio e deixar-se seduzir, sem ficar calculando perdas e danos, apenas dando-se ao luxo de viver o seu dia de Pigmaleão.

A carne é fraca, mas você tem que ser forte, é o que recomendam todos. Tente, ao menos de vez em quando, ser sexualmente vegetariano e não ceder às tentações. Se conseguir, bravo: terá as rédeas de seu destino na mão. Mas se não der certo, console-se. Criaturas que derretem-se, entregam-se, consomem-se e não sabem negar-se costumam trazer um sorriso enigmático nos lábios. Alguma recompensa há de ter.

Martha Medeiros

O príncipe azul

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Minha mãe não entendeu nada quando viu que tinha um furo enorme e perfeito no armário. Era a brincadeira da semana: eu ficava entre as blusas de lã, escondida do pirata, e meu pai ficava do outro lado do armário, entre as calças, também escondido do pirata. O furo era pra permitir comunicação: como escaparíamos daquela imensa caixa que naufragava em alto-mar? Depois meu pai era o Carlinhos, aluno respondão que nunca fazia a lição de casa e eu a professora que sempre dava mais uma chance. Se ele errasse alguma palavra, o castigo era me levar de carro, porque eu gostava de ouvir as músicas em movimento, e me comprar o maior número possível de pulseiras mágicas com purpurina dentro. Eu adorava colar estrelas no teto do quarto. Aquelas que brilhavam à noite. E então montávamos um verdadeiro acampamento com lençóis, vassouras, lanternas e eu tinha certeza que se colocasse meu pé pra fora sentiria aquela graminha com sereno. Antes de dormir, meu pai não lia livrinhos prontos, mas me fazia inventar histórias. Tem pai que ensina o filho a não ter medo das coisas e talvez essa seja uma pequena mágoa que guardo da minha família. Eu fui criada pra ter medo de tudo: de coxinha de padaria à viagens solitárias pela Europa. Não me deixavam brincar muito na rua, nadar sozinha no mar, comer besteiras na cantina da escola. O resultado disso é que até hoje passo um pouco de vergonha quando viajo com amigos e faço análise há anos pra aprender a ficar menos tensa com a vida lá fora. Em compensação, tenho uma coragem absurda e uma curiosidade profunda a respeito da minha vida de dentro. E me pergunto: quantos pais ensinam isso a seus filhos? Tive sorte. Hoje, com trinta anos de idade, eu sou escritora, profissão que não troco por nenhuma e que me dá um tesão enorme em viver. E devo isso ao meu pai. Ele não me ensinou a comer pastel de feira e nem a dar um mortal na piscina. Talvez porque ele próprio tivesse medo dessas coisas, talvez porque quando um filho é único, você redobra os cuidados. Mas ele me ensinou a inventar um mundo rico, enorme e possível dentro da minha cabeça. Me ensinou a viver com coragem dentro de mim, a ser amiga e ouvinte dos neurônios, fígado, coração e entranhas. Tenho certeza que comecei da maneira mais difícil. É mais corajoso quem não tem medo de voar pelo mundo ou quem aguenta ficar dentro de si? Me sinto boba perto dos meus amigos que contam cicatrizes de esportes, meu pai sempre me disse pra tomar cuidado na aula de educação física. Mas me sinto um gênio quando vejo tanta gente que perde um dia inteiro pra escrever um simples e-mail sentimental ou não sabe o que dizer numa conversa mais íntima. E essas pessoas que fazem curso de escritor? Pra que serve um curso de escritor!? Quem é que vai te ensinar a ter essa delicadeza de sentir? Quem é que vai te dar ferramentas pra olhar pras coisas o tempo todo como se elas fossem encantadas e não simplesmente coisas? Durante muito tempo eu respondi “escritor se nasce, não se torna”. Mas descobri que foi o príncipe azul, que na verdade era meu pai, que me ensinou a não ter medo de atravessar o rio enorme, profundo, gelado e escuro, da história que inventamos. Dentro da barraca que não é barraca, é lençol preso no teto com fita crepe. Ele me deu a capacidade de sonhar, o resto do mundo agora é comigo.

Tati Bernardi

De outro jeito

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Dentro da igreja, ajoelhe-se. No estádio de futebol, grite pelo seu time. Numa festa, comemore. Durante um beijo,
apaixone-se. De frente para o mar, dispa-se. Reencontrou um amigo, escute-o.

Ou faça de outro jeito, se preferir: dentro da igreja escute-O. Durante um beijo, dispa-se. No estádio de futebol, apaixone-se. De frente para o mar, ajoelhe-se. Numa festa, grite pelo seu time. Reencontrou um amigo, comemore.

Esteja, entregue- se

Martha Medeiros

Pode não durar pra sempre?

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E eu posso lembrar de tudo. Do primeiro dia em que te vi no meu portão, ainda como amigo, até a despedida (a SUA, porque eu nunca te disse adeus). Lembro do quanto tava frio aquele dia, e você no meu portão com uma camisetinha regata, uma calça jeans e uma bolsa que ficava de lado. E o quanto choveu logo depois que você foi embora e o quanto maior foi a minha vontade de te mandar voltar porque o meu quarto é um lugar bem quentinho. E as mensagens que trocamos logo em seguida, inderetas com mil diretas. E o quanto a gente se falava, sempre, mesmo que não tivesse nada pra falar. E o quanto eu me sentia viva em te encontrar e rir sem parar, em fazer besteira, em parecer criança fazendo coisa que não se deve, escondido. E o quanto a gente combinou de primeira e de segunda, terceira… Infinitas vezes, a gente sempre combinava. E quando você chegava era lindo demais. Seu sorriso esclarecia as coisas, nos seus braços eu era tão mais eu. E a gente não tinha nada a perder, nada pra fazer e isso era ótimo. Era como não fazer nada e descançar depois. Ou então fazer as melhores coisas do mundo, com a melhor companhia do mundo, e isso se repetir a cada dia, sem parar ou cansar. Passar tardes na piscina, comendo chocolate (até que eu gostei do seu beijo de vacadiamentenegro), sem preocupação nenhuma na cabeça e muita paz no coração, era um vício. E aquela cara linda e sem pudor nenhum que você fazia quando queria alguma coisa de pudor ainda menor (e sempre conseguia) era a minha maior tentação. Gostar de você era a minha tentação. Você por inteiro me testava. Você era tudo que fazia bem. Você é, ainda, tudo que eu quero que me faça bem. Esses dias chatos e nada parecidos com os dias ao seu lado me fazem enxergar você e a saudade que ficou. A piscina ainda tá aqui, eu ainda sei fazer pavê e aprendi a fazer o brigadeiro que você tanto dizia saber fazer. E eu repito que não preciso de você pra nada. Mas, eu faço as mesmas coisas, sempre, e quando olho pro lado, eu já não te tenho mais. E então, não tenho mais quase nada. Eu to muito mais inteligente e bonita também, mas ainda sou tão sua. E meus beijos ainda são tão seus, meus cuidados, todo o meu corpo quer você. Minhas pernas agora têm uns roxinhos lá e cá, mas é tudo por causa do pole dance que eu ensaio tanto pra dançar tanto pra você. E meu cabelo tá maior, mais claro e nesse meio tempo comprei cinco pares de lentes de contato, sendo que não uso nenhuma. E tudo, todo o resto é indiferente demais se não tem você pra agradar. E o vazio que você deixou quando me deu aquele último abraço, implora por você de novo. Você no meu portão, com regata ou casaco, chinelo ou tênis; contanto que seja você e que ao invés daquele último abraço que me fez chorar por 5 dias e noites seguidas, seja um recomeço. E que você traga aquela cara e aquele jeito de volta, porque não existe mais ninguém assim. Você tá longe de ser o melhor, mas gostar não faz sentido e agora eu te quero como sempre e como nunca também. Seu idiota, permita-se, pois eu realmente espero que isso não dure pra sempre.

Martha Medeiros

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” … essas mulheres aí que não cozinham, não passam, não lavam, só evoluem, essas não são exemplo pra ninguém, são umas coitadas de umas infelizes que pagam as contas e ainda se acham divertidas, se fazem de inteligentes, querem bater perna em Nova York, pois vão arder no fogo do inferno, vão se arrepender de ter lido aquela Simone de Beauvoir, vão morrer abraçadas aos seus laptops, aqui se faz, aqui se paga, escreve aí.
Tamo ferrada.”